domingo, 26 de agosto de 2007

Poesia da Semana

Por acaso se encontra um bloco na rua.

Segue-se.

Cantam aquela que você gosta tanto,

você solta a garganta

e ela cai e se espalha pela rua,

escorre até as calçadas,

sobe pela parede das casas.

Na janela uma senhora sorri.


Você estranha,

pois não havia reparado antes

no desenho colonial

dos azulejos daquela balaustrada.


O batuque esquenta,

a bolsa da mão virou chapéu,

você perdeu as alpercatas,

a camisa virou uma capa.

Você molhou o bico

com os últimos dois reais da carteira.


Mas não são reais,

são mil-réis.


Agora você viu

que sua calça foi feita de saco de açúcar.

Esse domingo é muito mais domingo,

você pensa,

para quem trabalha forçado.


Perdura um nervosismo geral

de certa recente invasão holandesa.


Agora a cidade é assim:

escorre gente pela canaleta dos becos

na trilha semi-certa dos cordões,

francesas descem de carros negros

e se deslumbram das portas dos hotéis,

um rio limpo corre

dividindo a avenida central,

o poeta de chapéu escreve

no guardanapo do café,

ouve-se ao longe o acorde dissonante

da freada do bonde,

um sino repica ,

anuncia-se a quermesse,

se desfaz a novena,

renova-se o discurso,

e esquenta a função,

interrompida pela algazarra dos capoeiras monarquistas,

e tome cavalaria,

fujam para a roda do mato em volta.

É mesmo a sua cidade do seu país,

agora sim você reconhece.


Eis que surge a mascarada.


É claro que essa mascarada só pode

preferir brincar com você,

que veio do tempo das canções,

que nada quer,

tudo faz e não sabe quando vai,

não acha nada

mas está sempre acabando de se apaixonar.


E você canta,

dos seus olhos refletidos

em outros olhos pela

sua dela boca

canta,

você sabe

que não sabe

de quem boca é que

canta,

lábio-mar, rio cordão

por onde for é gente e mais gente sempre só se

canta.


Até que antes do primeiro risco vermelho aparecer no céu,

um risco vermelho

diante dos seus lábios

se desdobra

pelos lábios dela.


Se desfazem os cordões,

o rio volta a ser algo indizível.

Surge um shopping.


Agora,

só ano que vem.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Poesia da Semana

Boi pra lá

Boi pra lá,
boi pra cá.
Boi pra lá,
boi pra cá.
Dorme neném,
olha o pasto,
olha o rio,
olha o trem.

Boi pra lá,
boi pra cá.
Dorme neném,
olha o rio,
olha o trem,
olha o pasto.

Uma flor.
Outra flor.

Cor, ô, neném,
uma flor,
outra flor
e mais cem,
boi lá trem
rio mais flor
dorme pasto,
neném.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Poesias da Semana

Ela murmurou
um sonho
pra gente,
espremeu contradições
da sua garganta.

Deixou o quarto em seus olhos
à meia-luz...
entramos.
Roupas jogadas no tapete,
a voz deitada num colchão.

Seu ritmo era um contra-senso,
cabiam dezessete palavras em cada tecla
do piano que corria atrás dela.
Ela cantava ímpar.

E era exatamente o que a gente
precisava sentir:
essa força toda
de um instante sem nada,
essa meia-luz concentrada,
esse prato cheio de falta.

Tinha saliva naquelas palavras
a gente sentia a língua
que aqui e ali se esbarrava.

Uma meia de lã
calçando o pé do ouvido,
um cotonete amoroso.

Ela cantou
e em nós
doeu
gostoso.