domingo, 27 de março de 2011

Caneta bic e papel sulfite

Caneta bic e papel sulfite,
que saudade!

Esta mão que se dissolve
em tinta azul
no traço da primeira palavra


Este verso,
como não sei de onde veio,
deve ser eu mesmo inteiro
em duas linhas no papel.

Lembro:
tive treze anos de idade pela primeira vez
num papel em branco.

Tem palavras que desde então me acompanham,
“sarjeta” ficou para sempre sentada na sarjeta
da rua da minha casa,
“azul misturado com amarelo dá verde”
é uma foto das palavras
que tanto eu vi, na minha infância.

O “tropeço” caiu no corredor da memória,
casquinha de machucado grossa como sarjeta,
eu lembro,
a luz do poste piscando pelos meus olhos,
tão familiar essa iluminação pública,
mora desde criança dentro da minha cabeça,
parece que a rua de casa me pariu,
rachando bem ao meio seu asfalto,
a cor do asfalto, a cor do céu, a cor das árvores.
Eu vim dessa palavra cansada do meu pai,
eu sou o medo de ficar sozinha
que a minha mãe sentia,
que a minha mãe ainda sente,
eu sou meu irmão, se atrasasse.

Ah!, tentei me espalhar, sendo outros,
mas são sempre estranhos,
é como ver carro estrangeiro,
familiar e redondo só mesmo um fusca.

Quero mesmo é estar em casa
e só volto pra lá
quando fecho os olhos.

Poesia da Semana

E foi deste modo que ela se colocou no apertado espaço entre meu corpo e o teto do quarto, que esmagáva-nos.
Que aliás é e sempre foi a melhor maneira que sempre pudemos nos arranjar nesse espaço apertado, pois nessa posição, apesar de esmagados entre cama e teto, podemos nos olhar frente à frente, ela sustenta o seu peso apoiando as mãos sobre o meu peito e eu pego seus seios com minhas mãos, como se perscrutássemos os corações por debaixo da pele.
Como se disséessemos um ao outro este complicado verbo - perscrutar – e ainda muitos outros – perscrutássemos - com suas dezenas de conjugações em diversos tempos e posições. Entrando nos substantivos e deixando-os entrar, experimentando o gosto de adjetivos superlativos deliciosíssimos e gostosérrimos. E ao invés de entender os significados das palavras, sentíamos na boca o gosto delas.
Ou como se chuvesse: com todos os detalhes e possibilidades da chuva, da gota ao dilúvio, inclusive nos sendo por vezes salpicada a novidade rápida e lâmina de luz do corisco, sendo-nos também possível aspirar o perfume verde-brilho de musgo umedecendo na fresta entre dois galhos redondos de onde desaborcha uma estranhíssima orquídea oculta sob as grandes camadas e as pequenas camadas abertas de par em par por um leve toque de Pã.
Ou como se fôssemos atingidos por um raio: eletricidade que não nos mata de imediato, mas que espalha pelos corpos sua megavoltagem que se compartilha antes da morte... mas que de alguma forma isso fosse bom.
Ou como se fôssemos....ou como se....ou como... ou.....
Até o fim, nos metendo por dentro dessas metáforas, cada vez mais fundo, até chegarmos exaustos a um grito que significa grito e um gozo que significa gozo.