segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Poesia da Semana

É uma grande preparação,

vê-se pelas casas

que apesar de estarem como sempe

pasmam de imobilidade


pela primeira vez você ficou curioso

para saber o que se passa dentro delas,

são pequenos mundos

de inviolabilidade e segredo


é óbvio que tudo vai mudar

dentro de instantes

que se refazem em vento

céu negro

e eletrecidade impalpável


é óbvio que tudo vai mudar,

você já teve dezesseis anos de idade

e os mistérios do amor

e da morte

estão prestes a irromper

de sua grosa casca de penumbra


é óbvio que tudo vai mudar,

é o dia do natal,

quem há de nascer agora

para desfazer esse caminho torto

apercorrido até aqui pelo futuro


mas eis que a chuva não vem,

é a sua vida que agora pasma

de imobilidade

e o cheiro daquilo que foi descoberto

- que estava nos dedos, um cheiro acre

de amor e água do mar,

e o gosto das lágrimas

e o brilho dos olhos curiosos

e a pureza do riso presente -

tudo isso está à beira de ser esquecido


é o tempo presente – tudo que muda

já mudou

menos a solidão

do casal que já teve os filhos

e a novidade deles

não é nem mais lembrança

do cheiro daquilo que passou


é exatamente a chuva que não vem,

o dia do natal

a inviolabilidade das casas

a grande preparação


tudo virado em fumaça

na ponta quente do cigarro

nas linhas do que resta

desse mais um fraseado

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Poesia da Semana

Quase como o que não queria
a chuva
um barulho só

O pó sumiu
ser tão amada
e ir
como quem só

Desembucha !

1. Essa eu acabei de fazer.
Duas horas rolando na cama: pensei,
escrevi, me irritei - tanta coisa - veio
essa chuva de um barulho só.
Por fim, era isso:
eu e a chuva.
Mais uma vez.

2. Não, as outras poesias daqui eu não havia feito
no dia que em que coloquei no
blog. Foi uma ou outra. A maioria é do arquivo.

3. Afinal, não é sempre que chove.

4. A propósito - imagine o sertão. Agora figure uma chuva lá no sertão: as crianças
brincando nas poças, calor, calor, até os adultos fora de casa - alguém pensando em
se esconder da chuva? Alguém pensando qualquer coisa que fosse? Só a chuva e a terra quente, e o sol de vez em quando, e as pessoas sem poder entender nem conter isso, uma chuva
grossa e desabotoada, depois de 10 meses sem chover. Até um arco-íris. O mistério
do sertão é a chuva. Pense.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Poesias da Semana



Um dia

Passei por uma poesia

- era uma rua.

Lembrei por causa de um pedaço

de papel parado na sarjeta.

Depois o vento mexeu um pouco pro lado.

O meu irmão passava a mão no meu cabelo assim.


Passei por ela,

a pele grossa de concreto,

olho piscando

pela luz quebrada dos postes.


E como uma descoberta

que sempre esteve ali um pouco,

como um carinho e uma aspereza da rua ,

vou dizer rapidinho

que ali tinha alguém.


(Quase não se enxerga

na rua a pele grossa,

a pessoa é saliência

na calçada ou poça.


Quase não se enxergam

a pessoa e poças,

a calçada é saliência

da rua e pele grossas.)


Quem passa pela rua

e por aquela pessoa

pára um pouco para sempre em poema

que o passo seguinte esvai à toa.

sábado, 20 de outubro de 2007

Texto da semana

shshshshsh... dizia a casa de Plínio, quando entrou . Como que forrada pelo carpete desse som, esse shshsh, esse chiado contínuo, que depois ele percebeu que era o chiado da panela de pressão. Mas não era só dela, pelo menos para Plínio na sua memória de coisas e afetos,esse som remetia a uma atmosfera que ocupava o seu pensamento, como que embalando-o, como se fosse possível mergulhar nesse som, mergulhar... mergulhar ... .mergu ...mer....mar! Era isso – era esse também o som do mar, tanto um enorme rumor, tudo dominando tonitroando ao fundo, perene; quanto uma delicadeza de dedos a se esfarinhar “chuá! shshs....” leve, se espalhando pela areia, virando já espuma e sumindo ao se espalhar....

Era definitivamente um som que ocupava um lugar em sua vida, era um chiado da sua existência, que fazia falta sem ele saber, quando não havia, era um som da sua vida. Ah, esse som do mar, espumando...e esse som e esse prazer de mergulhar, esse salgado pra lá e pra cá que enjoava gostoso do mar, como que deixando bêbado....Opa! esse som era som da lata shshs – tlact! ao se abrir, e gluglu, a cerveja, a espuma desaparecendo ao som do mesmo shshs...a cerveja lá, esperando só, a chiar, para tomar e mergulhar naquela sensação. Sempre que mergulhava no mar pensava naquela outra delícia: cerveja, amigos, e deitado na areia, quando a onda vinha a lavar-lhe pelos pés até a cabeça e escorrendo quase leva-não-leva a lhe levar, era a doçura da noite entrando, e moças, e conversas, e aquela empolgação de conversa de bar, que soluciona as mazelas do mundo, a rir e emendar. E tome uma, e mais outra.

Esse som, esse chiado, era o prazer sempre procurado, como uma chuva de algodão, algo a lhe estufar a vida, o em volta do ar. Mas tinha mais.

A panela de pressão, o almoço chegando, o cheiro do feijão! Era essa a sensação: de ter pai e mãe, e comida na mesa todo dia, e alguém querendo sempre que ele comesse...

Ser criança !

E até o xixi – shshsh....também a espumar – sensação boa, o último alívio. Esse chiado, sempre presente na sua vida, era o da casa da sua infância, que Plínio esteve sempre, e estaria sempre, o resto da sua vida, a procurar, a querer para rechear sua vida.

De repente, Plínio, num insight, se reviu ainda antes da sua meninice, Plínio se viu bem pequeno, quase neném. Um tempo em que ele – ele mesmo, esse marmanjão de agora, era pequenininho, todo bonitinho. Teve a nítida sensação do que foi, pra ele, ser essa criançinha de dois anos: amada.

A inocência, puro, puro..... a total dependência e confiança dos pais, o colo e a pele e o cheiro da mãe, o choro e o riso na ponta dos olhos, sempre prontos, como se seus olhos estivessem sempre úmidos, e todos em volta, vendo aquela crinça (ele! a mesma pessoa que ele é agora!), todos sorrindo e achando ele muito lindinho, muito querido mesmo, querido desta maneira: ele dava a todos vontade de pegá-lo, amassá-lo, beijá-lo, e trazer ao colo num carinho.

E, de repente, ele, Plínio agora – em seu insight ele pode sentir claramente isso: “eu perdi minha inocência.” Olhou pras próprias mãos, e viu as mãozinhas suas, que foram, que são. E correu, porque quando criança corria mesmo, realmente com todos os bofes pra fora e sem pensar no coração, e nunca pensava, como agora, “vou ficar cansado?”. E como não tinha mais mãe, correu de braços abertos e gritou “mãe!”, era assim que fazia quando ela chegava do trabalho, não tinha mais a inocência necessária para essa corrida, esses braços abertos, esse chamado pela mãe: fora isso que perdera.

Quando deu por si novamente, chorava, era um adulto todo dobrado, largado como uma bolsa vazia, no chão, aos soluços.

E quando passou a crise do choro, e se acalmou um pouco, foi como um consolo, um afago....desse afago então pôde finalmente perceber da onde vinha aquele som primordial, entendeu da onde vinha o conforto daquele forro, aquele cetim macio ocupando todo o espaço, a fazer shshshshshsh....preenchendo seu cansaço: o primeiro som, mãe de todos os outros, o primeiro chiado ouvido.

Era sua mãe, estreitando sua cabeça no peito, passando a mão pelos seus cabelos, a fazer shshshs....o dedo em pé na frente dos lábios fechados....pedindo siêncio - “dorme, meu filho” – e a cabeça afundada no peito dela, a mãozinha segurando a alça do vestido.

sábado, 13 de outubro de 2007

Texto da semana

Ia começar a partida, e o mundo estava parado. Ali tudo de mim dependia, e um gol era um cuspe bem dado, o mundo solucionado.

Quando eu jogava bola, eu sabia que eu podia, eu colhia com minhas pernas. Quando a bola vinha - ali sim era só eu e a bola, e quanto mais tempo eu ficasse com ela mais tempo eu respirava, era como voar, pelo tempo que dá pra ficar debaixo d´água, e as brechas do campo iam se sucedendo como bolhas de ar, como atalhos, frinchas por onde a água ainda podia escorrer. Era capinar naquele mato de pernas, no final dava certo, indo atrás da direção da ponta do nariz, a gente apostava na rebatida, e se houvese o milagre duma trave que nos interrompia, era um brilho aquele estouro de trave, a gente insistia, até que a rede banhava a bola - um fruto da nossa jogada, e a alma se encharcava. Eram dois tijolos em cima da terra, era gol, e o estádio em peso vibrava.

Quando eu jogava bola e alguém me chutava, era doce esse inimigo, pois eu via que era copa do mundo e era comigo.Quando eu jogava bola, e alguém exclamava, a gente via que tinha torcida e comemorava.

Até que um dia eu pulei dentro do gol, parei de ser quem mandava, eu era mandado e rolava e voava, e a quem pensasse que eu lhe obedecia, eu rolava mais ainda, e o próprio redondo da bola logo prevalecia, pois nunca se sabe onde termina uma volta, e sempre começa outro dia.

Outro dia, aliás, eu vi: era a mesma rua, o mesmo campo, a mesma lama, o mesmo tanto. Como a casquinha do machucado no joelho, nunca cicatrizado, havia um menino, eu havia voltado – ia começar a partida, o mundo estava parado. Ali tudo de mim dependia, e um gol era um cuspe bem dado, o mundo solucionado.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Poesia da Semana

Reciclomeça a vida.

Você não precisa nada,

só sua energia herólica.

Dessa merda de vida,

retire esterco e coragem.

E aproveite o lixo que todo mundo diz,

e biodiz:

faça a sua usinauguração.

Experimente essa composterapia.

No fundo do poço

tem subsolo,

faça do pavor

o destempero da vida.

Reciclomeça.

Deixe o carro

e pedalalma.

E assim vai estar bem

onde quer que você flor.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Plano de Saúde e Perpetuação do Indivíduo

Finalmente, com o sucesso da reposição artificial de neurônios, o tratamento contra a degeneração definitiva do organismo humano ficou completo. Associada ao transplante dos principais órgãos do corpo, incluindo o coração, e às plásticas de rotina, a reposição neural rompeu o último obstáculo anteposto à perenidade da vida individual: a senilidade.

Para o cidadão comum de classe média, bastava despender de 30 à 60% do salário com o pagamento do Plano de Saúde e Perpetuação do Indivíduo, para que, além de ter cobertas as consultas e demais banalidades hospitalares, garantisse, a cada 65 anos, o tratamento completo de reabilitação do organismo, com a reposição e os transplantes já citados. O alto custo do plano acabava por ser parcialmente amortizado, uma vez que o cidadão e a empresa deixavam de arcar com os custos previdenciários, pois não havia mais necessidade de aposentadoria.

Como o funcionário que não se aposentava custava menos às empresas, elas passaram a estimular com vantagens financeiras e de carreira os funcionários que optassem pela perpetuidade.

Aqueles poucos que optaram por continuar se aposentando - e morrendo - não conseguiram mais empregos, e a opção pela perpetuidade acabou por ser amplamente adotada.

Com o decorrer de algumas gerações, devido ao aumento de população, a fronteira dos países em que predominavam os perpétuos teve que se expandir sobre amplas regiões do terceiro mundo.

Décadas mais tarde, foram urbanizadas regiões antes desabitadas ou pouco povoadas – a Amazônia, florestas e savanas Africanas, vastos campos da Ásia, o deserto Australiano e seu complexo insular, além de parques, reservas e demais regiões pouco habitadas no interior dos países.

Apesar do sucesso da ampliação do espaço urbanamente desenvolvido, que já ia ocupando os derradeiros recônditos do planeta, a falta de espaço para os seres humanos perpétuos ainda não estava em vias de ser sanada,e situação era piorada pela diminuição das áreas litorâneas, sistematicamente engolidas pelo mar, devido ao derretimento do gelo polar. Além disso, as populações não perpétuas ainda ocupavam muito espaço.

Mesmo com a extinção das últimas populações que não tinham acesso ao Plano de Saúde e Perpetuação do Indivíduo, e que ainda persistiam em regiões subdesenvolvidas do leste da África e na Ásia central, o problema de espaço persistia, pois a população de seres humanos perpétuos, obviamente, só crescia - e perpétuo, naquele momento, era a condição de absolutamente todos os habitantes da Terra .

Foram especuladas novas soluções para o problema, uma vez que as velhas - super-verticalização das construções, uso extensivo do sub-solo, aterramento sistemático do mar, entre outras, já não bastavam.

Foi então que veio à tona, como não podia deixar de ser, a possibilidade do ser humano perpétuo voltar a morrer. A idéia apavorou principalmente as novas gerações, que tinham exíguo contato com a morte humana, uma vez que haviam nascido depois da extinção das últimas populações não perpétuas, e que além disso muito raramente tinham notícia de mortes acidentais, já que a medicina era eficaz na grande maioria dos casos.

Mesmo entre as gerações mais antigas, a idéia foi repudiada, e aquela primeira geração, que de condenada à morte, trabalhou o dobro pela própria perpetuidade, desacostumada com a idéia de morrer, se negou a corroborá-la.

Mas como a situação havia chegado realmente no seu limite – não cabia mais ninguém em lugar algum - foi decidido que se proibisse a concepção de novos seres humanos. Como houvesse veementes protestos daqueles e daquelas com aflorado instinto de paternidade ou maternidade, retificou-se a decisão, e foi permitida a concepção da nova geração, com a condição, no entanto, de que não tivesse acesso à perpetuidade.

A nova geração foi concebida e a população perpétua assistiu seu fim, tendo sido, inclusive, por duas ou três décadas, fisicamente mais jovens que seus próprios filhos.

A população perpétua, desabituada à morte, teve que passar pelo trauma de voltar a conviver com ela. Pior: tratava-se da morte de seu filhos. Enfrentou ainda o profundo ressentimento dos filhos-anciãos que, antes de partir, acusavam seus pais de terem invertido a ordem natural das coisas, fazendo com que as novas gerações perecessem enquanto as velhas permaneciam.

Por medo dessas acusações, não foi concebida mais nenhuma geração. O desemprego gerado pela falência de todas as empresas que dependiam do público infantil aprofundou as crises sociais, naquela década.

Mas veio o período de reacomodação econômica, acontecida não sem duros percalços, e a população perpétua do planeta passou a desfrutar (apesar da palavra desfrutar, não existiam mais frutas) de uma certa estabilidade.

Estabeleceu-se, sem maiores problemas, um contínuo trabalho de aterramento do mar, garantindo que, se não se ganhasse nenhum espaço, pelo menos não se perdia mais nenhum. Como havia terra e pedra nas grandes montanhas suficiente para mais 300 anos de aterramentos, segundo especialistas, não havia a necessidade de fazer buracos dentro do perímetro urbano, e admitiu-se que a situação não ia mal.

Desde que se estabelecera como rotineira a produção industrial em larga escala do hidrogênio nuclearmente modificado que agora servia de alimento (o único) ao ser humano, tão pouco o problema da fome assolava mais do que antes a população da Terra. Havia, é claro, alguma saudade dos alimentos de outrora, sentida pelas gerações mais antigas e não compartilhada pelas novas.

Histórias, enfim, diziam os mais novos, que não serviam para abalar o indivíduo perpétuo e a homogeneidade físico-biológica (todos aparentavam 45 anos) que se estabelecera definitivamente para todos os cidadãos; e também certa estabilidade social, não menor do que aquela do longínquo... ano 2001, por exemplo.

A nostalgia, quiçá, era o único problema daquela parte da população já referida, nostalgia não só dos alimentos mais variados, mas dos bichos que antes existiam, das plantas, do céu visível, das crianças, dos rios e matas, dos cemitérios, das paias, das montanhas, e de uma certa sensação de movimento que havia no ir e vir - das gerações atravessando o tempo, das crianças atravessando o corredor das casas.

Nenhuma nostalgia, nenhuma falta de espaço, nenhuma ameaça do derretimento dos pólos, nenhuma saudade das crianças, dos bichos ou plantas, nada, em suma, foi tão exasperante para o ser humano perpétuo, quanto duas coisas:

A impossibilidade de mudar as coisas, exceto pela morte.

O medo da morte.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Brincadeiras da semana

"O que é breve e bom,
é duas vezes bom"
Hugh White


Gente, essa coisa de geléia,
a morte no fim como uma pedra,
na cabeça, terra sobre tera,
louça sanitária semi-enterrada,
de vez em quando uma flor.



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Tocado displicentemente,
pairam no ar o jarro e a dúvida.
Aquele pêgo no ar:
Malabarismei?



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Terça-feira
Absolutamente mais um dia
E constatamos que a vida passa.



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E agora, senhoras e senhores, a poesia mais curta e mais profunda jamais vista:

"Cu"




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Poesia curta parece coito interrompido.
Um soneto pelo menos, meu amor,
enquanto eu tiro os sapatos.



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E já que falamos de soneto....


Tanto do meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor, tremendo estou de frio,
sem motivo, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto,
do peito me sai um fogo, da vista um rio
agora espero, agora deconfio,
agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando,
numa hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos, não possa achar uma hora.

E se alguém me pergunta por que assim ando,
respondo que não sei, porém suspeito
que só porque vos vi, minha senhora.

Camões


*********

Diálogo:

- Quem Castrou Alves?
- Machado de Assis.
- Como ele castrou?
- Camões.
- ...
- Essa não é minha, Eça é de Queiroz.



**********


O soneto clássico tem essa forma, com a mesma quantidade de sílabas poéticas em cada verso (o que dá o "ritmo" dos versos), e com esse esquema de rimas. Essa forma não é usada à toa - é que fica fácil memorizar um soneto, funciona quase como uma canção. Tanto que esse aí de cima, eu não precisei abrir um livro para escrevê-lo - havia decorado uns 7 anos atrás, e não esqueci mais. Ao escrever, tive dúvidas, mas o interessante é que o próprio esquema do soneto ajuda a lembrar e tirar as dúvidas - se não der a rima ou o ritmo, não tá certo - e assim, acertando os detalhes, encontram-se as palavras, e refaz-se o soneto original.

Pode ser que eu tenha me enganado em alguma palavra, mas, se obedeci a métrica, o ritmo e as rimas, será que fará tanta diferença? Mas duvido que eu tenha achado outras soluções para um soneto genial desse.

Poesia feita e refeita, hoje - viva o repentista Camões.



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"O que é bom,
que seja bom do tamanho que quiser.
Viva o exagero"
Katarina Tchitcholina


"Brincando também se faz filho"
Mãe


domingo, 26 de agosto de 2007

Poesia da Semana

Por acaso se encontra um bloco na rua.

Segue-se.

Cantam aquela que você gosta tanto,

você solta a garganta

e ela cai e se espalha pela rua,

escorre até as calçadas,

sobe pela parede das casas.

Na janela uma senhora sorri.


Você estranha,

pois não havia reparado antes

no desenho colonial

dos azulejos daquela balaustrada.


O batuque esquenta,

a bolsa da mão virou chapéu,

você perdeu as alpercatas,

a camisa virou uma capa.

Você molhou o bico

com os últimos dois reais da carteira.


Mas não são reais,

são mil-réis.


Agora você viu

que sua calça foi feita de saco de açúcar.

Esse domingo é muito mais domingo,

você pensa,

para quem trabalha forçado.


Perdura um nervosismo geral

de certa recente invasão holandesa.


Agora a cidade é assim:

escorre gente pela canaleta dos becos

na trilha semi-certa dos cordões,

francesas descem de carros negros

e se deslumbram das portas dos hotéis,

um rio limpo corre

dividindo a avenida central,

o poeta de chapéu escreve

no guardanapo do café,

ouve-se ao longe o acorde dissonante

da freada do bonde,

um sino repica ,

anuncia-se a quermesse,

se desfaz a novena,

renova-se o discurso,

e esquenta a função,

interrompida pela algazarra dos capoeiras monarquistas,

e tome cavalaria,

fujam para a roda do mato em volta.

É mesmo a sua cidade do seu país,

agora sim você reconhece.


Eis que surge a mascarada.


É claro que essa mascarada só pode

preferir brincar com você,

que veio do tempo das canções,

que nada quer,

tudo faz e não sabe quando vai,

não acha nada

mas está sempre acabando de se apaixonar.


E você canta,

dos seus olhos refletidos

em outros olhos pela

sua dela boca

canta,

você sabe

que não sabe

de quem boca é que

canta,

lábio-mar, rio cordão

por onde for é gente e mais gente sempre só se

canta.


Até que antes do primeiro risco vermelho aparecer no céu,

um risco vermelho

diante dos seus lábios

se desdobra

pelos lábios dela.


Se desfazem os cordões,

o rio volta a ser algo indizível.

Surge um shopping.


Agora,

só ano que vem.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Poesia da Semana

Boi pra lá

Boi pra lá,
boi pra cá.
Boi pra lá,
boi pra cá.
Dorme neném,
olha o pasto,
olha o rio,
olha o trem.

Boi pra lá,
boi pra cá.
Dorme neném,
olha o rio,
olha o trem,
olha o pasto.

Uma flor.
Outra flor.

Cor, ô, neném,
uma flor,
outra flor
e mais cem,
boi lá trem
rio mais flor
dorme pasto,
neném.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Poesias da Semana

Ela murmurou
um sonho
pra gente,
espremeu contradições
da sua garganta.

Deixou o quarto em seus olhos
à meia-luz...
entramos.
Roupas jogadas no tapete,
a voz deitada num colchão.

Seu ritmo era um contra-senso,
cabiam dezessete palavras em cada tecla
do piano que corria atrás dela.
Ela cantava ímpar.

E era exatamente o que a gente
precisava sentir:
essa força toda
de um instante sem nada,
essa meia-luz concentrada,
esse prato cheio de falta.

Tinha saliva naquelas palavras
a gente sentia a língua
que aqui e ali se esbarrava.

Uma meia de lã
calçando o pé do ouvido,
um cotonete amoroso.

Ela cantou
e em nós
doeu
gostoso.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

A Você

A você estas linhas
para escutar
na voz acetinada de um velho locutor
vinda no ruído molhado de chuva
de um rádio entrando no chiado
d´alguma sintonia.

A você (por que não?) esta poesia
que não pode perder o ritmo de contraponto
do naipe dos metais,
leia quase sem querer,
só porque talvez tenha lhe pego
num momento,
um daqueles momentos que é sempre
o momento que a gente quer ter.

Como quando o disco de vinil acaba
e a agulha insiste em transmitir o som
da última faixa apagada,
escute estas palavras
que fazem nada mais que
nos rodear,
na valsa que nunca acaba dos velhos bailarinos,
na voz de gramofone do cantor de balada
que parece tanto que realmente sofre.

A você, por fim,
que não acha nada,
que não duvida,
que não merece:
ouça o último fio desse momento simples,
e que seja tudo agora.
Que depois
a gente esquece.

terça-feira, 26 de junho de 2007

CLASSIFICADOS

Este Blog aposta no que realmente importa agora: o comércio!



ALUGA-SE uma infância, para morar dentro, feito a casa de boneca que a gente nunca teve. Na garagem, a bicicletinha vermelha. Dentro, aquelas nossas filhas de pano, de louça, de plástico, como se o amor puro de uma criança pudesse ter substância.
Aluga-se uma infância.



APARTAMENTO DUPLEX
Excelente vista. Esqueça o apartamento, na verdade, o que vale é a vista..
É tarde, e o dia inteiro vivido virou memória,
e essa memória faz com que esse inacreditável vermelho do céu
nos conte toda dor passada, toda alegria vivida.
É uma tarde que passa: assista.



MARIDO
Vende-se o milagre, 30 dias por mês repetido.
Vende-se a refelicidade, o reencontro, o renascido.
Vende-se você mesma, como novidade, mas repetido.
Vende-se o fim da solidão, a felicidade, o amor escolhido,
Vende-se o pecado repetido diariamente
mas que finalmente deixou de ser proibido.
Vende-se um marido.





PROMOÇÃO imperdível, senhora dona de casa:
adqüira MATURIDADE,
e empreste a seus filhos,
e doe a seu marido.
Se sobrar, jogue fora,
agora que ela acabou,
vá embora!




VENDO um dia-a-dia,
mas um dia de cada vez:
mude de idéia
de um dia pro outro
ou vire freguês!



FINANCIAMOS
pra você um silêncio,
pague ficando quieto
5 minutos por dia.

FINANCIAMOS
a tranqüilidade
que você espera afinal,
pague parando um pouco
a cada dia,
como um pequeno ritual.



TROCAMOS
Esta vontade de dizer
por essa outra de chorar.
Ninguém tem a perder:
a lágrima que escorre aí,
é beleza que nasce cá.
Se sobra algum choro acolá,
verso nunca faltará.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Poesias da Semana

Circular

Esta canção que escutamos agora
toca em todo lugar e a toda hora
no rádio sintonizado na dor
que compartilham os corações,
ouvindo esta canção,
que é muitas canções,
mas fala do mesmo peso
de todos os corações,
que são o único coração,
e choram pelo único amor
que todos amores são
- escutando esta canção agora.



Fórrôr

Empurramortecendo ombro à ombro
e dansuando de pobreleza,
todos no fórrôr,
todos no fórrôr esquentomando,
cantamargurando,
tremelicangulanamente.

Poispassou um mulherigo
entre dois machucarentes:
Trizsoslaiolharam-se...
Peixeirou à morte.
Repentânico!

Silensionde?

terça-feira, 29 de maio de 2007

Desembucha !

<1>Bom é quem tenta aquilo que não consegue.

<2>Monstros. Como a vida ficou sem graça, depois que passou o tempo deles.

sábado, 12 de maio de 2007

Desembucha!

<1>Existe o pólo Sul.

<2>Lembrei por causa do frio, a "frente fria" - ora, o que é a chegada desse frio? É o pólo Sul, mas como ele está tão longe, chega um resto fraco dele, mas esse friozinho basta para dizer em mim: existe o pólo Sul.

<2> As coisas que têm dentro da gente. Coisas imensas, como o pólo Sul. A gente só não se lembra.

<3> Vocês me desculpem, mas não tem como dizer, tão pouco sei explicar. Quando chega o inverno, muda uma sensação em mim. Sou outro? Queria que vocês sentissem, soubessem esse acontecimento, o inverno em mim.

<4> Ontem vesti uma blusa porque sozinho, sozinho, me fiz vestindo um carinho.

<5>Então lembrei que existe o pólo Sul. As montanhas de neve, os icebergs, um continente inteiro de gelo - mas não só o branco - as inesperadas cores do céu, os formatos do que quebra grande, de pedras: glaciais mudanças. E uma solerte foca. Pequeno cinza, e ainda que-de-vez-em-quando.

<6> O sangue: muito mais vermelho que o vermelho do sangue, o vermelho sobre brancos, branco da neve, branco do pêlo do urso; e na sua boca o vermelho do sangue.

<7> Enfim, tudo que é grande e absoluto como o pólo Sul.

<8>Quando existirá em mim aquilo que não sou?

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Poesia da Semana

Aspereza

Da aspereza das casca das árvore
é a voz que cansada crepita a viola,
velha de som entrecortado.
É quando o bojo e o braço estraleja,
e as corda emparelhada conversa,
com os dedo seus segredo esfregado.

As coisa que ali se versa,
é sobre o suco das coisa.
Tem muita idéia escorregadiça,
e barulho que dorme embalado.
E no peito dos homem calado,
o sofrimento das dobradiça.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Poesia da Semana



Você Tem os Amantes

Você tem os amantes.
Eles não tem nome,
a história deles não interessa,
é só entre eles,
e você tem o quarto, a cama e as janelas.
Finja que é um ritual,
desfralde os lençois, enterre os amantes,
sele de negro as janelas.
Deixe-os viverem naquela casa por uma ou duas gerações.
Ninguém ousa perturbá-los,
As visitas no corredor andam na ponta dos pés
em frente da longa porta fechada,
tentam escutar um barulho, um gemido, uma canção,
mas não conseguem ouvir nem um sopro.
Você sabe que eles não morreram
pois é possível sentir a presença
do amor intenso que eles estão fazendo.

Seus filhos crescem e vão embora,
tornaram-se viajantes e cavaleiros.
Seu companheiro morre depois de uma vida de trabalho.
Quem lhe conhece? Quem se lembra de você?
Mas na sua casa há um ritual acontecendo,
ainda não acabou – precisa de outros.

Um dia a porta da câmara dos amantes está aberta.
O quarto se transformou num denso jardim
cheio de cores, cheiros e sons que você não cohecia.
A cama está macia como um wafer de luz do sol
e brilha, sozinha, bem no meio do jardim.
Sobre ela, silenciosamente, deliberadamente e com calma,
os amantes praticam o ato do amor.
Seus olhos estão fechados tão apertados
como se houvessem pesadas moedas de carne sobre eles.
Seus lábios estão marcados por roxos antigos e recentes,
o cabelo dela e a barba dele estão irremediavemente embaraçados.
Quando ele toca sua boca no ombro dela
ela não sabe direito se o ombro está dando ou recebendo o beijo.
Toda carne dela é como uma boca.
Ele passa seus dedos na cintura dela
e sente a sua própria cintura acariciada.
Ela usa os braços dele para não saber de quem é o abraço.
Ela beija a mão diante da sua boca,
é a mão dele ou a mão dela, não importa,
há tantos outros beijos mais.

Você para ao lado da cama chorando de felicidade
e cuidadosamente desfralda os lençois
de cima dos corpos movendo-se lentamente.
Seus olhos estão rasos d´água, voê quase não enxerga os amantes.
Enquanto se despe, você canta, e sua voz está magnífica
pois agora você tem certeza
de que é a primeira voz humana ouvida naquele quarto.
As peças que você deixa cair brotam do chão: são vinhas.
Você sobe na cama e redescobre a carne.
Você fecha seus olhos e deixa que eles fique assim costurados.
Você cria um abraço e cai dentro dele.
Só há um momento de dor ou dúvida
quando você imagina quantas multidões
estarão deitando ao lado do seu corpo.
Mas uma boca beija, e o momento seguinte
escorre por entre os dedos da mão.



Leonard Cohen (original em inglês)

Versão em Português: Guga Cacilhas

sábado, 7 de abril de 2007

Poesias da Semana

Cometi este começo
assumidamente assim
colhido do maço de tanto
assunto bati-lhe o machado no cepo.

Talvez sintam-lhe o prurido
de início – é cedo, mas
ansiava-me aziago
por tê-lo. Passa-me assim
este medo – melhor:
foi um modo de sê-lo.


*


Passaram pelo caminho
e chutaram uma pedrinha ali
duzentos e cinqüenta e seis anos
no mesmo lugar.

A pedrinha rolou dois centímetros
para o lado, deixando pó.
E depois do pó, eu.
- só.


*


O Cão Diz:

Este é meu latido
traduzido em palavra.
Talvez te assuste, cara, assim
atirado, na lata, na testa.
É que a pata, até com a caneta,
é sincera.

É pouco o que aqui se diz é preciso
ouvir meu latido melhor,
o trinado o volume a vogal
que vai e vem repetida:
coisa de cão cão cão cão.

Uma dica: aqui não se diz,
se late (óbvio):
não tem arremate,
vocabulário, é mais:
“opa!”,
“eita!”,
“uau!”,
“porra!”.
- Que nem no trânsito.

Mas minha voz também é feita
de pêlo, de rabo e de afeto,
Eu também lato o sim,
choro, uivo,
procedo.

E assim sempre tem sido;
digo "au" e afirmo:
tudo que não cabe em palavra
é latido.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Poesia da Semana



O poema não cortou o cabelo


Se for meu, vão sabê-lo.
Reconhecê-lo, cumprimentá-lo ao vê-lo.
O poema não cortou o cabelo.

São meus ossos em pó,
é o suco do que corre em mim,
é um fio de cabelo.
Não tem segredo.
A tinta da caneta
é da cor castanha dos olhos,
o castanho de sempre, comum, igual.
O papel é transado da fibra
de que é feita minha pele.

Em suma, sou eu,
esse poema andando na rua,
esse tênis à minha vida incorporado,
um verso, outro verso,
serei contado da planta
do rodapé da página
ao nariz do meu cabeçalho.

É aqui que você tem estado,
cada dia estranho da sua vida
teve a cor de um poema brotado.
O que não te deixava dormir,
até hoje não deixa,
é esse velho estado
que vem de novo num novo palavreado.

Você, cara, é uma poesia:
pessoesia.

Lembra, com 7 anos ? Já era isso.
Falando sozinho,
garrancheando depois com 12,
para a primeira namorada!
Você pensou que era o amor - pensou errado,
era um dia-poema,
era você revelado.

Mais dia, menos dia, ele vinha.
Como confundir?
Como não saber
quando vinha aquele escrito que era você?
Com 15 comecei a entender, com 20 gostar, 25 dizer.
Não importava, não importa,
no livro, na tela, falada,
a poesia da minha vida é esta aqui:
o papel sulfite, a caneta bic,
e esse velho, e sempre novo,
conhecido e desesperador estado.

Quando eu não consigo dormir,
é ele que deve sair.
E se for meu – vão sabê-lo,
o poema calçando meu tênis,
andando pela rua, vão reconhecê-lo
e cumprimentá-lo ao vê-lo:
o poema não cortou o cabelo.

Quantas vezes! Eu não dormia:
Menino, o que você têm?
Mãe, eu tenho uma poesia

segunda-feira, 26 de março de 2007

Poesias da Semana

Este alienígena tem múltiplas formas
de se aconchegar no meu regaço.
Seu corpo é todo um baile ainda misterioso
Os seus membros, suas partes
Onde é liso, onde é rugoso

Este alienígena desafia minha forma de ter e dar e misturar,
Com suas mil possibilidades de ventosas
Com seus meios que não sei classificar.

Como dizer que é dedo
Aquilo que é pra pegar
Mas murcha e desaparece
E noutro ponto brota?
É seio aquilo que incha
Mas do bico que se abre
Sai algo quem sabe língua,
Quem sabe?

Este alienígena faz do meu corpo um caleidoscópio
Pra ser dele eu saio do planeta.
Invento uma estranha estrela
Para ele ser meu.
Esse alienígena ignora que na Terra só há dois sexos
E me propõe coisas
Que fazemos como se fôssemos três.

Este alienígena se encosta em mim para além da pele
Me faz vasculhar texturas de dentro do corpo
Para encontrar a seiva que lhe agrade.

Este alienígena composto por uma química desconhecida
Quem sabe derrete
Quem sabe queima
No instante em que inventarmos algo.
Quem sabe beijo.


----


Lá embaixo, (bem embaixo), são três...
E vai subindo,
No meio quatro,
E noutra região mais cinco,
E em cima nove, e ao norte um tão
Grande e verde
Que a mente mal consegue figurar, ah!

São vinte e seis os estados
brasileiros pelo meu corpo:
Tocantins. Amapá,
e eu passei correndo,
por tanta coisa, tanta coisa, a viajar...

Mas se eu me detesse ali,
sentado num paralelepípedo, numa esquina,
vamos supor, em Parati, eu veria:
nas ruas, construções,
terrenos baldios, nas pessoas:
eu brasileiro.

São vinte e seis batendo pelo meu corpo brilha
uma ilha Florianópolis no meu tornozelo
na orelha bateram Bahia-Bahia e bem no meio
do peito, batendo vermelho, meu coração
estala na chapa dos campos gerais.

É um esporte, uma religião,
de chinelo meu pé bate o chão
e em cada canto é de um jeito,
mas é sempre o chão do meu peito.

É como a vida de um irmão,
uma crença,
eu pareço muito com tudo isso,
e é isso desde nascença.

domingo, 18 de março de 2007

Poesia da Semana

Chove


Chove.
Ouço, vejo, sinto o cheiro,
chove dentro do meu pensamento,
e à chuva quero dizer sim,
mas não é me molhar dentro da chuva,
era preciso eu chover junto com a chuva,
era preciso chover dentro de mim.

E não adiantava eu ser o céu que chovia,
a terra que encharcava - olha, nem se eu fosse
cada gota que caía, a Infinita Água,
o próprio ciclo que se repetia.

Talvez se eu fosse o cheiro de tudo molhado.
Se eu fosse o barulho da chuva no telhado,
se eu escorresse pela calhas até os quintais
e formasse a enxurrada grossa nas calçadas.
Se eu fosse a intimidade morna
dos pés descalços nas poças d’água.
Mas não.

Eu precisava acontecer junto com a chuva,
ser o acontecimento chovendo,
ser a mudança que a chuva traz:
a decepção de quem foi a praia,
a alegria de quem plantou,
ser o banho e banhar,
ser a claridade espocando em relâmpago na escuridão,
ser mais chuva do que a chuva,
a esperança,
o amor de certas plantas
que fazem amor numa gota de chuva.
Porque isso é muito a chuva.

Mas eu,
eu estava chuviscando.
Tentando,
chamando,
clamando, pluviando, chuvamando,
mas tendo que manter intacta
a porra do teto
deste coração seco.
Vendo a chuva e só,
e solidão.

terça-feira, 6 de março de 2007

Poesia da Semana

Alienígena

O alienígena veio até nós.
Finalmente !
Ele é outra pessoa,
mas é outra coisa,
extra-humano
e irmão de vida.

Eu já o amo.
Ele é vida que olha pras coisas,
olho que viu meu planeta no céu,
nos seus olhos outro céu,
sua boca diz luas,
e uma palavra estranha
faz de outra cor
a luz dos seus dias.

Olha, é amor que não cabe aqui,
nesta forma de vida,
nesta História do Homem.
É cumplicidade dos nossos nadas.

Eu o amo com toda minha inter-humanidade.
Eu o quero para além do invólucro humano,
e eu o desejo como a um terceiro sexo.

Desembucha !

Um alienígena. A idéia de alguém que não é outra pessoa, mas algo distinto de nós, sempre me fascinou. Primeiro no aspecto físico, táctil - como deve ser a pele, o olho, o olhar. E o céu desse planeta dele, ou dela (haverá só dois sexos? haverá mais de um?) - quantas luas, de que gás serão feitas as nuvens, que espécie de água, que tamanho de dia.
Depois, por ser uma inteligência diversa, um outro modo de conceber as coisas. Aquilo que de alguma forma é humano, ou parente da idéia do humano, mas é mais que humano.
Aí quem sabe o alienígena não vem para solucionar aquilo que não tem solução, não o aquecimento global, a injustiça desse planeta, a guerra, mais do que isso: quem sabe o alienígena não nos mostra uma forma de ....curar uma dor de amor no coração.

O coração alienígena (só mesmo sendo alienígena) quem sabe não sofre, quem sabe nos ensina.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Poesia da Semana

Flor é paixão – de paciência.
Faz amor à bico de abelha
e pega carona em grão de vento,
rabeira de pólen,
tempestade de areia .

Luz, água e amores
dão coceira em semente,
e quando fundem-se cor e calores,
velha, a vida ascende.

Desembucha !

Visitei o site Manufatura, que traz poesias novas semanalmente.
Não é coincidência, eu conheci o autor desse site uns 3 anos atrás e o copiei.
Bom, a poesia dele, dessa semana, criou, através de uma metáfora estraha, uma sensação enorme em mim. Não sei explicar, tem coisa que "bate". Essa poesia dele bateu. Eu apanhei de uma coluna de luz, algo misturado com dragão e girassol - por fim, de uma flor.
Além de dizer isso, eu queira dizer que uma poesia, pra ser mesmo boínha mesmo, tem que ter um final.
É difícil fazer final.
É como se o texto desse uma volta sobre si mesmo, se desse conta de si, e nos oferecesse esse estalo, como uma flor, no fim. Acho que a gente não faz o final, afinal, deve ser ele que se faz por si. Olha, tem hora que a gente dá é uma puta de uma sorte mesmo! A poesia tem que ter um estalo final. Repare como a do Manufatura dessa semana tem.
Em homenagem ao Nola, autor do Manufatura, coloquei esta poesia aí em cima, escrita a tempos.
Poesia de flor também. Ou sobre algo estranho que acontece quando a palavra flor se desdobra em luz, cor e paciência.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Poesias da Semana

O RIO CAI

O rio cai.
Ainda,
e ainda.

O rés do caminho anda,
água à frente,
chão pra trás.

Nem ida nem vinda,
a vida do rio,
perdura invés.



UMA ARTE

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si
o acidente de perdê-las,
que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreva!) muito sério.


Elizabeth Bishop
Versão em português: Paulo Henriques Brito

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Poesia da Semana

DUAS PALAVRAS

É verdade que eu desejavéla,
mas ela provobocou.
Um mulherígo.
Eu não sou de ferro,
eu sou ardômem.

Perneabriu a porta do apertamento,
oferequerendo,
exigiu que eu ficasse embora.
Tive uma prelegumonição!
E estava certo, pois ela disse: amorêntra,
quero que você me inhame.

Entrevitei ao máximo mas
saí de uma vez pra pele dela.
Robeijei sua boca,
dei abrasseio, nossas mãos
lingüíam e vinham, um
emarunhando o outro,
um verdadeiro cabelaval.

Descansuâmos um pouco
mas logo eu dizia:
Você pé mais?
E ela: eu péro.
Eu te agradéxo !

E novamentagênte:
eu dizia sim, simtura,
ela ria qua qua quadril,
eu quero vosseio, me largárra,
amachúca, parêntra – devarrápido!

Nesse desentendamamênto
Até o gozostôso final.

Olha... é impressionentrante
o que as palavras fazem com a gente.

Desembucha !

<1>Antes de qualquer conversa, a poesia já falou por mim. (Oh!)

<2>Mas um pouco de prosa também é bom. Para quem lembra do antigo "Reco-Reco...", que era mandado por e-mail, aqui está o blog. Andavam me cobrando...e eu adorando ser cobrado! Para quem não conhecia, está aí - uma poesia minha por semana. Se for escrito de outra pessoa, eu ponho embaixo o nome do autor - se não tiver nome, é meu mesmo.
Enfim, é nosso.

<3> Então, vou me apresentar falando poesias no dia 21 de Março, Quarta-Feira, no Sarau do Espaço Cultural CPFL - começa às 21 horas. Se der tempo, terá uma novidade (não vou contar que é o lançamento do meu livro). Mais perto da data eu aviso de novo.

<4> Amanhã, Quinta-Feira, 15/02, tem um espetáculo imperdível, o "Gaiola de Moscas", no Semente, às 20:30hs, dentro da programação do Feverestival - confiram toda aprogramação em feverestival.com.br.

<5>Uma sugestão: ao lerem o poema, o acento serve para marcar a sílaba forte, nas palavras emendadas.

<6>Me despeço com essa meia dúzia de desembuchos.