domingo, 21 de agosto de 2011

Poesia da Semana

O solilóquio é exatamente isso:
Uma estranha palavra
Cujo significado sabe-se
Vagamente.

Amiúde aparecem,
Em azáfema, emprestando
seu toque azedo
ao fim da estrofe.
Essa que todos
Querem provar
Pois lembra
estrogonofe.

E acontece
Pois queremos mesmo
Perscrutar
Cada vez mais
Essas palavras de Clarice,
Assim: Lispector!

Não é assim?
Não brilha
No meio da frase
Uma palavra
Como Miríade?

O dicionário
Não dissolveria
Se soubéssemos, sucinta,
A condição sine qua non?

Ou alguém
ainda duvida
quão comestíveis são
as palavras conforme
provamos o primeiro
estrogonofe
deste poema?

A incipiência
Das palavras é discernível
Em sua profícua substância,
Confere?

Melando-se
Com lambujem
Quando se extrapola o sentido.
Ou não?

Afinal,
sou só um dito cujo
que não chega a ser o tal
e faz-se de joão ninguém
pra não ficar
zé mané no final.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Poesia da Semana

A poesia, quando veio,
é que passou o dia inteiro coçando.
é que eu já estava satisfeito:
e ainda esperando o almoço.

A poesia, quando veio,
foi outro que escreveu,
mas que roubou de um terceiro
que era eu.

A poesia já tinha se mostrado
quando quase fui atropelado
numa rua que ia ter num verso
que no fim foi tirado.

E a poesia foi chegando,
eu parava,
ela andando.

E o poema foi voltando,
eu puxei! ( eu não gosto),
mas é meu,
eu que sei.

Eu sabia
que o dia tinha tropeçado.
era poema certo,
e eu errado.

Eu sabia
que tinha como esquecer.
mas não lembrei
de fazer!

teve horas
que o poema cochilou:
foi o telefone que tocou.

E a poesia um pouco atrasada.
foi a primeira a chegar,
mas ficou sentada.

Fim da tarde
sangrei a infeliz.
Mas foi ela mesma
que quis!

Deu a noite
ela não voltou.
mas não tinha ido:
ficou.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Poesia da Semana

Tudo é samba.
Tudo mesmo.
Sem metáforas,
O samba especificamente:
Pandeiro, violão,
Surdo e tamborim
Preenchem todas
As tonalidades.
E a voz
Que nas infinitas letras e melodias
Fala sobre tudo,
Conta todo o passado,
Traduz o presente
E quando você menos percebe
Profetiza.

Tudo está no samba, na roda,
O amor, a dor da injustiça da vida
E a brincadeira.
Casos reais e inventados,
Sentimentos nominados
E ainda as sensações abstratas.
Casa-se e separa-se no samba,
Amizade é o sobrenome do samba
E pra quem gosta de briga, tem.

Samba de coco,
Samba de maracatu
Semba
Sambada.
Cada povo tem a sua.

E de onde viemos?
Para onde vamos?
O que é a vida afinal?
O samba resolve isso também:
Quando a mulher mexe
Remexe na sua barriga
Algo que é justamente
A novidade da vida.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Poesia da Semana

Série Cotidiano

Banalidades do dia-a-dia, coisas práticas que não servem para nada. Desnecessariamente úteis.


I. Banho

Somos enfim cantores:
O banheiro acha a gente bom.
O banheiro é nossa mãe.



II- Cuidar de criança

Tudo que se amesquinha em mim
É flagrado pela inocência.



III- Andar de carro

Algo parece ter solução:
Eu piso no acelerador
O carro se move,
O mundo passa.

Minha vida trafega,
A imobilidade das casas
Escorrega para trás
Sobre as sarjetas.

Inclusive sou bondoso,
Pois tolero que o paciente pedestre
Permaneça vivo.

Faço parte,
Viajo para o mesmo lugar
Que vai a humanidade.

Que por queimar petróleo
Como eu
Arde.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Visita

Casamento
de Adélia Prado.

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Desembuxa!

... à cantora de Sexta-feira, e a todos os artistas daquele Sarau...dedico as coisas que escrevi aqui em baixo.

Poesia da Semana

Cotonete Amoroso

Ela murmurou
um sonho
pra gente,
espremeu contradições
da sua garganta.

Apagou a luz
do quarto em seus olhos.
Entramos.
Roupas jogadas no tapete,
a voz deitada num colchão.

Seu ritmo era um contra-senso,
cabiam dezessete palavras em cada tecla
do piano que corria atrás dela.
Ela cantava ímpar.

E era exatamente o que a gente
precisava sentir:
essa força toda
de um instante sem nada,
essa meia-luz concentrada,
esse prato cheio de falta.

Tinha saliva naquelas palavras
a gente sentia a língua
que aqui e ali se esbarrava.

Uma meia de lã
calçando o pé do ouvido,
um cotonete amoroso.

Ela cantou
para sorte
da nossa dor.

domingo, 27 de março de 2011

Caneta bic e papel sulfite

Caneta bic e papel sulfite,
que saudade!

Esta mão que se dissolve
em tinta azul
no traço da primeira palavra


Este verso,
como não sei de onde veio,
deve ser eu mesmo inteiro
em duas linhas no papel.

Lembro:
tive treze anos de idade pela primeira vez
num papel em branco.

Tem palavras que desde então me acompanham,
“sarjeta” ficou para sempre sentada na sarjeta
da rua da minha casa,
“azul misturado com amarelo dá verde”
é uma foto das palavras
que tanto eu vi, na minha infância.

O “tropeço” caiu no corredor da memória,
casquinha de machucado grossa como sarjeta,
eu lembro,
a luz do poste piscando pelos meus olhos,
tão familiar essa iluminação pública,
mora desde criança dentro da minha cabeça,
parece que a rua de casa me pariu,
rachando bem ao meio seu asfalto,
a cor do asfalto, a cor do céu, a cor das árvores.
Eu vim dessa palavra cansada do meu pai,
eu sou o medo de ficar sozinha
que a minha mãe sentia,
que a minha mãe ainda sente,
eu sou meu irmão, se atrasasse.

Ah!, tentei me espalhar, sendo outros,
mas são sempre estranhos,
é como ver carro estrangeiro,
familiar e redondo só mesmo um fusca.

Quero mesmo é estar em casa
e só volto pra lá
quando fecho os olhos.

Poesia da Semana

E foi deste modo que ela se colocou no apertado espaço entre meu corpo e o teto do quarto, que esmagáva-nos.
Que aliás é e sempre foi a melhor maneira que sempre pudemos nos arranjar nesse espaço apertado, pois nessa posição, apesar de esmagados entre cama e teto, podemos nos olhar frente à frente, ela sustenta o seu peso apoiando as mãos sobre o meu peito e eu pego seus seios com minhas mãos, como se perscrutássemos os corações por debaixo da pele.
Como se disséessemos um ao outro este complicado verbo - perscrutar – e ainda muitos outros – perscrutássemos - com suas dezenas de conjugações em diversos tempos e posições. Entrando nos substantivos e deixando-os entrar, experimentando o gosto de adjetivos superlativos deliciosíssimos e gostosérrimos. E ao invés de entender os significados das palavras, sentíamos na boca o gosto delas.
Ou como se chuvesse: com todos os detalhes e possibilidades da chuva, da gota ao dilúvio, inclusive nos sendo por vezes salpicada a novidade rápida e lâmina de luz do corisco, sendo-nos também possível aspirar o perfume verde-brilho de musgo umedecendo na fresta entre dois galhos redondos de onde desaborcha uma estranhíssima orquídea oculta sob as grandes camadas e as pequenas camadas abertas de par em par por um leve toque de Pã.
Ou como se fôssemos atingidos por um raio: eletricidade que não nos mata de imediato, mas que espalha pelos corpos sua megavoltagem que se compartilha antes da morte... mas que de alguma forma isso fosse bom.
Ou como se fôssemos....ou como se....ou como... ou.....
Até o fim, nos metendo por dentro dessas metáforas, cada vez mais fundo, até chegarmos exaustos a um grito que significa grito e um gozo que significa gozo.