segunda-feira, 16 de abril de 2007

Poesia da Semana



Você Tem os Amantes

Você tem os amantes.
Eles não tem nome,
a história deles não interessa,
é só entre eles,
e você tem o quarto, a cama e as janelas.
Finja que é um ritual,
desfralde os lençois, enterre os amantes,
sele de negro as janelas.
Deixe-os viverem naquela casa por uma ou duas gerações.
Ninguém ousa perturbá-los,
As visitas no corredor andam na ponta dos pés
em frente da longa porta fechada,
tentam escutar um barulho, um gemido, uma canção,
mas não conseguem ouvir nem um sopro.
Você sabe que eles não morreram
pois é possível sentir a presença
do amor intenso que eles estão fazendo.

Seus filhos crescem e vão embora,
tornaram-se viajantes e cavaleiros.
Seu companheiro morre depois de uma vida de trabalho.
Quem lhe conhece? Quem se lembra de você?
Mas na sua casa há um ritual acontecendo,
ainda não acabou – precisa de outros.

Um dia a porta da câmara dos amantes está aberta.
O quarto se transformou num denso jardim
cheio de cores, cheiros e sons que você não cohecia.
A cama está macia como um wafer de luz do sol
e brilha, sozinha, bem no meio do jardim.
Sobre ela, silenciosamente, deliberadamente e com calma,
os amantes praticam o ato do amor.
Seus olhos estão fechados tão apertados
como se houvessem pesadas moedas de carne sobre eles.
Seus lábios estão marcados por roxos antigos e recentes,
o cabelo dela e a barba dele estão irremediavemente embaraçados.
Quando ele toca sua boca no ombro dela
ela não sabe direito se o ombro está dando ou recebendo o beijo.
Toda carne dela é como uma boca.
Ele passa seus dedos na cintura dela
e sente a sua própria cintura acariciada.
Ela usa os braços dele para não saber de quem é o abraço.
Ela beija a mão diante da sua boca,
é a mão dele ou a mão dela, não importa,
há tantos outros beijos mais.

Você para ao lado da cama chorando de felicidade
e cuidadosamente desfralda os lençois
de cima dos corpos movendo-se lentamente.
Seus olhos estão rasos d´água, voê quase não enxerga os amantes.
Enquanto se despe, você canta, e sua voz está magnífica
pois agora você tem certeza
de que é a primeira voz humana ouvida naquele quarto.
As peças que você deixa cair brotam do chão: são vinhas.
Você sobe na cama e redescobre a carne.
Você fecha seus olhos e deixa que eles fique assim costurados.
Você cria um abraço e cai dentro dele.
Só há um momento de dor ou dúvida
quando você imagina quantas multidões
estarão deitando ao lado do seu corpo.
Mas uma boca beija, e o momento seguinte
escorre por entre os dedos da mão.



Leonard Cohen (original em inglês)

Versão em Português: Guga Cacilhas

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