sábado, 13 de outubro de 2007

Texto da semana

Ia começar a partida, e o mundo estava parado. Ali tudo de mim dependia, e um gol era um cuspe bem dado, o mundo solucionado.

Quando eu jogava bola, eu sabia que eu podia, eu colhia com minhas pernas. Quando a bola vinha - ali sim era só eu e a bola, e quanto mais tempo eu ficasse com ela mais tempo eu respirava, era como voar, pelo tempo que dá pra ficar debaixo d´água, e as brechas do campo iam se sucedendo como bolhas de ar, como atalhos, frinchas por onde a água ainda podia escorrer. Era capinar naquele mato de pernas, no final dava certo, indo atrás da direção da ponta do nariz, a gente apostava na rebatida, e se houvese o milagre duma trave que nos interrompia, era um brilho aquele estouro de trave, a gente insistia, até que a rede banhava a bola - um fruto da nossa jogada, e a alma se encharcava. Eram dois tijolos em cima da terra, era gol, e o estádio em peso vibrava.

Quando eu jogava bola e alguém me chutava, era doce esse inimigo, pois eu via que era copa do mundo e era comigo.Quando eu jogava bola, e alguém exclamava, a gente via que tinha torcida e comemorava.

Até que um dia eu pulei dentro do gol, parei de ser quem mandava, eu era mandado e rolava e voava, e a quem pensasse que eu lhe obedecia, eu rolava mais ainda, e o próprio redondo da bola logo prevalecia, pois nunca se sabe onde termina uma volta, e sempre começa outro dia.

Outro dia, aliás, eu vi: era a mesma rua, o mesmo campo, a mesma lama, o mesmo tanto. Como a casquinha do machucado no joelho, nunca cicatrizado, havia um menino, eu havia voltado – ia começar a partida, o mundo estava parado. Ali tudo de mim dependia, e um gol era um cuspe bem dado, o mundo solucionado.

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